Falta do Inpe em divulgação sobre queimadas na Amazônia gera críticas

 Falta do Inpe em divulgação sobre queimadas na Amazônia gera críticas

Medida ficará a cargo do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

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Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – A decisão do governo federal de retirar o protagonismo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em divulgar dados sobre incêndios registrados no País está sendo criticada por ambientalistas, cientistas e especialistas em meio ambiente. A medida, que transferiu o poder de emitir os alertas ao Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura, é vista como mais uma ação do Governo Bolsonaro para um ‘desmonte ambiental’.

O ambientalista mestre em Ecologia, Carlos Durigan, da Wildlife Conservation Society (WCS) Brasil, afirma que não vê pontos positivos para qualificar o Inmet como referência para a informação de dados de desmatamento e queimadas. Para ele, o instituto meteorológico, na verdade, deveria ser mais um usuário dos dados do Inpe, uma vez que o Inpe já é a referência constituída para divulgação dos dados.

“O que sinto com tudo isso é mais uma ação para subordinar a atuação de instituições científicas e ambientalistas à pasta que comanda as políticas voltadas ao setor agropecuário, o que a meu ver é colocar a raposa para cuidar do galinheiro. Afinal, qual setor produtivo tem sido o vilão quando falamos em desmatamento e queimadas?”, lamenta o ambientalista.

Durigan lembra que o Inpe é uma instituição técnica de Estado, estruturada durante as últimas décadas para ser referência em pesquisa, coleta, análise e divulgação de informação de qualidade. Para ele, tirar o Inpe do posto de divulgador de alertas de queimadas é inaceitável e significa fragilizar o instituto, jogando o País em um passado obscuro.

“O único entendimento que esta mudança nos leva a ter é que o governo, ao não concordar com a realidade dos dados sempre divulgados pelo Inpe, que têm mostrado um aumento expressivo no desmatamento e queimadas nos últimos anos, não consegue controlar a informação como gostaria e assim leva a divulgação dos dados para uma outra instituição subordinada ao Ministério da Agricultura, onde buscará colocar as informações num patamar menos importante ou mesmo escondê-las, enfraquecendo um programa de monitoramento estruturado há décadas e respeitado no mundo todo”, salientou.

Transparência dos dados

O engenheiro agrimensor e ambientalista, Ricardo Ninuma, destaca que o Inpe trabalha com a divulgação de boletins técnicos diários sobre as queimadas, inclusive possui o “Programa Queimadas”, com dados técnicos disponíveis diariamente pelo site https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal. Enquanto isso, o Inmet sempre divulgou informações meteorológicas ou, em outras palavras, “se vai chover ou não”. Para ele, a mudança imposta pelo governo representa um risco sobre a transparência dos dados de desmatamento.

“Isso posto, na minha avaliação, essa mudança representa um grande risco sobre a transparência dos dados de desmatamento por dois motivos: o primeiro pelo fato de que o desmatamento não ocorre por queimadas. As queimadas são consequências dos desmatamentos. Segundo, que as informações deixarão de serem técnicas e divulgados apenas os dados convenientes”, salienta Ninuma.

Ricardo Ninuma destaca ainda que, desde que assumiu o comando, o presidente Bolsonaro sempre questionou os dados de desmatamento do Inpe e demonstrou o desejo de alterar algo, seja a divulgação ou o sistema de informações. O lado positivo de excluir o Inpe na divulgação dos alertas seria apenas a centralização dos dados.

“Com isso as tomadas de decisões com responsabilidades serão fundamentais para o meio ambiente. Não podemos misturar as funções do Inpe com o Inmet na finalidade ambiental. Na questão das queimadas, o Inpe divulga as ações diretas do homem, no desmatamento e quase sempre nas queimadas, enquanto que o Inmet divulga eventos das ações, por chuvas e eventos meteorológicos”, esclarece.

Retrocesso

A notícia sobre a alteração da maneira como o governo federal vai reportar dados sobre queimadas no País foi dada nessa terça-feira, 13, durante uma live do Ministério da Agricultura. Segundo o diretor nacional do Inmet, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, os dados passarão a ser concentrados no “Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio”, do Sistema Nacional de Meteorologia (SNM). O Inmet, apesar de confirmar a mudança em nota ao jornal O Globo nessa terça, nega que o Inpe deixou de produzir essas informações.

O cientista e ex-diretor do Inpe entre dezembro de 2005 e março de 2012, Gilberto Câmara, chamou a alteração, em uma publicação nas redes sociais nessa terça-feira, 13, de “retrocesso proposital na geração de informação ambiental”.

“Para entender a safadeza: os dados de riscos de queimadas do Inpe já combinam dados do Inmet com modelos de previsão do tempo. O que o Inmet vai gerar é muito pior do que o Inpe faz hoje. Mais um retrocesso proposital na geração de informação ambiental”, comentou em uma publicação no Twitter.

Gilberto Camara explica que, para produzir dados de risco de queimadas, o Inpe combina os focos atuais com modelos de previsão de tempo. Esses modelos, segundo ele, incorporam todos os dados meteorológicos sobre o Brasil, inclusive os do Inmet.

“Dados de risco do Inpe são os melhores que podemos ter. Por que o Inmet agora quer gerar os dados de risco? Simples. Ao usar apenas os dados de suas estações que não cobrem o Brasil por inteiro, os mapas de risco de queimadas serão subestimados. Mais uma ‘cloroquina’ científica deste governo. E como é que um instituto com a tradição do Inpe aceita ser amordaçado e deixa de produzir boa ciência? Simples. Junte um ministro fraco no MCTI com um diretor medroso no Inpe e temos a receita do desastre”, repudiou.

Ex-diretor do Inpe, Gilberto Câmara, criticou a decisão do governo (Reprodução)

Desmonte

A ambientalista e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também criticou a troca feita pelo governo. Em uma publicação do Twitter, Marina disse que Bolsonaro fez jus ao título de governo do desmonte ambiental.

“Bolsonaro fazendo jus ao título de governo do desmonte ambiental. Retirou do Inpe a função de divulgar dados de queimadas. Na prática, o recado é: zero transparência, esvaziar órgão de monitoramento e sinalizar que apoia aqueles que praticam ações criminosas contra as florestas”, disse a ex-ministra, na publicação.

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