STF decide: falta legitimidade ao MP de Contas para abrir investigação autônoma

 STF decide: falta legitimidade ao MP de Contas para abrir investigação autônoma
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Paula Litaiff |

O Supremo Tribunal Federal (STF) criou uma jurisprudência na qual reafirma a falta de legitimidade do Ministério Público de Contas (MPC) para instaurar investigação autônoma contra agentes públicos, isto é, sem o processo está sob a tutela do Tribunal de Contas dos Estados e da União.

A limitação institucional do MPC foi validada em uma decisão do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, na qual ele concedeu uma Medida Cautelar na Suspensão de Segurança para o governo do Distrito Federal (SS 5.416 MC/DF), no último dia 29 de julho, em um processo de investigação do MPC junto às secretarias estaduais de Saúde e de Turismo.  

(…) entendo, em juízo provisório, que  acesso a informações sob custódia dos agentes públicos sujeitos a controle externo depende da instauração de procedimento devidamente regulamentado no âmbito do respectivo Tribunal de Contas, não se admitindo a requisição autônoma feita por membro do Ministério Público especial, sob pena de se admitir a usurpação de competências e a sobreposição de medidas de vigilância, dificultando ou, mesmo, inviabilizando o controle judicial de eventuais abusos ou irregularidades cometidos nesse exercício”, argumenta o presidente do STF.

Além de usar os dispositivos da Constituição Federal, Toffoli reforçou seu entendimento em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proferida pelo ministro Celso de Mello em 1994. Em suma, o presidente do STF explica que cabe ao Tribunal de Contas fiscalizar e julgar, e o MPC serve como órgão auxiliador do processo dentro do sistema estrutural da Corte de Contas.  

“Por se tratar a promoção de fiscalização e julgamento das contas dos responsáveis pela gestão de recursos públicos de prerrogativa institucional da Corte de Contas; bem como considerando a compreensão firmada pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que o Ministério Público especial “encontra-se consolidado na ‘intimidade estrutural’ d[a] Corte de Contas (ADI nº 789/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/12/1994, grifei)”, justifica Toffoli.

Leia a decisão na íntegra

As alegações

No mês passado, o governo do Distrito Federal ajuizou um pedido de suspensão de segurança com o objetivo de sustar – suspender – uma decisão da Justiça Federal (TJDF), em que foi determinado ao governador e aos secretários de Saúde e de Turismo que fornecessem informações e documentos requisitados pelo Ministério Público de Contas no prazo de quinze dias para atender a uma investigação em curso no órgão.

O governo do Distrito Federal alegou, com base na Constituição Federal, que o Ministério Público de Contas é parte integrante do Tribunal de Contas e se quisesse o constituinte que os procuradores dos MPs de Contas tivessem atribuições idênticas aos membros do Ministério Público da União e dos Estados teria inserido na competência do órgão a função de oficiar junto às Cortes de Contas.

A atividade de controle externo está prevista no art. 71 da Constituição. Nele diz que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: “[…] II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público“.

O governo do Distrito Federal defendeu ainda que a decisão anterior do Tribunal de Justiça Federal põe em risco a ordem jurídico constitucional, em especial a capacidade do Poder Executivo em trabalhar com “independência na consecução dos interesses públicos, por alegada ilegitimidade do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal em promover ação de controle independentemente da instauração de procedimento no órgão perante o qual atua”.

‘Fiscalização burocrática’

A existência de mais um órgão fiscalizando diretamente a administração pública como o Ministério Público de Contas foi outra tese levantada pelo governo do Distrito Federal ao STF, e classificou o processo como um “entrave à agilidade na gestão governamental em meio à pandemia” do coronavírus.

“Não podem as políticas de enfrentamento ao vírus, legitimamente definidas por parte de governantes eleitos, com o apoio do corpo técnico-burocrático permanente dos órgãos de saúde locais, serem a todo tempo escrutinadas e questionadas por uma infinidade de órgãos de controle externo, para além do legítimo controle já exercido pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e do Tribunal de Contas do Distrito Federal”, diz o argumento.

As alegações do governo do Distrito Federal foram aceitas pelo presidente do STF que proferiu decisão liminar (provisória), conforme trecho do despacho: “Sob essas considerações, entendo que a decisão liminar deferida nos autos do MS nº 0724082-87.2020.8.07.0000 institui risco à ordem jurídico constitucional e, nessa medida, justifica o provimento de contracautela para suspender sua execução até final julgamento do mandamus. Ante o exposto, defiro o pedido liminar”, finaliza Toffoli.

O chefe do Ministério Público de Contas no Amazonas, procurador-geral João Barroso, foi procurado para comentar a decisão do Supremo Tribunal Federal, mas não retornou as ligações.

Autonomia em xeque

A decisão do Supremo em validar a restrição de atuação do MPC é a segunda em menos de dois anos. A última ocorreu em 26 de abril de 2019, quando o STF reafirmou sua jurisprudência para reconhecer que o Ministério Público de Contas não tem legitimidade para impetrar mandado de segurança contra acórdão do Tribunal de Contas no qual atua.

O entendimento ocorreu em decisão plenária no julgamento de mérito do Recurso Extraordinário (RE) 1178617, que teve repercussão geral reconhecida. O caso teve origem em um mandado de segurança ingressado pelo Ministério Público de Contas de Goiás no Tribunal de Justiça estadual (TJ-GO) contra ato do Tribunal de Contas local (TCE-GO).

Segundo informações do site do STF, o TCE-GO havia determinado o arquivamento da representação apresentada pelo MP para apurar irregularidades em processo licitatório para a construção da nova sede da corte de contas.

Após análise, o TJ-GO afastou a legitimidade do Ministério Público de Contas para a impetração e determinou a extinção do mandando de segurança sem julgamento de mérito.

Em seguida, o MP de Contas recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu seu recurso para reconhecer sua legitimidade e determinar que a Justiça de Goiás desse prosseguimento ao trâmite do mandado de segurança.

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