Insegurança e falta de diálogo: assassinatos no Vale do Javari, no AM, completam um mês com governo federal omisso

Indígena. (Mídia Ninja)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
BRASÍLIA — Um mês após os assassinatos do servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dominic Mark Phillips, o “Dom Phillips”, o diálogo com a instituição e qualquer outro órgão do Executivo é inexistente, enquanto a insegurança e o clima de medo continuam presentes na região do Vale do Javari, no Amazonas. Servidores da fundação e indígenas sentem, diariamente, o descaso que a omissão do poder público causa.
Na semana passada, senadores e deputados federais estiveram na região próxima à tríplice fronteira do Brasil com o Peru e Colômbia. No local, os presidentes das comissões externas da Câmara e do Senado, respectivamente, José Ricardo (PT-AM) e senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), participaram de reuniões com indígenas e servidores da Funai e até mesmo políticos da região. Os relatos detalharam a falta de segurança na cidade de Atalaia do Norte e na região como um todo.
“Nesse tempo, todos eles [indígenas da região] foram ameaçados e puderam relatar que estão com medo. Disseram que se o Bruno foi assassinado, os outros que estão com ele estão na mira também. Conversamos com funcionários da Funai, eles se sentem ameaçados e com medo. Nós vamos reforçar essa cobrança de segurança”, disse José Ricardo à REVISTA CENARIUM.

Três pessoas já foram presas suspeitas de envolvimento nos assassinatos: o pescador Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”; Oseney da Costa, o “Da Costa”, irmão de Amarildo; e Jeferson da Silva Lima, também conhecido como “Pelado da Dinha”.
A reunião ocorreu na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), em Atalaia do Norte, AM, e contou com membros do Ministério Público Federal (MPF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
“Lá é notório e todo mundo fala, o governo do Estado tem um efetivo da Polícia Militar muito pequeno, a Polícia Civil não tem estrutura para investigar tudo o que acontece, a Polícia Federal é muito reduzida para atender todo o Alto Solimões, a Funai sem estrutura para garantir o funcionamento nessa região, falta gente, falta equipamento, o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] foi desativado dessa região e cobraram a presença do Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]”, acrescentou o deputado.

Sem diálogo
Servidores da Funai em pelo menos 34 cidades paralisaram as atividades para pedir justiça pela morte do indigenista e do jornalista. Eles também cobraram melhores condições de trabalho e exigiram a saída imediata do presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva. Os servidores alegaram, e ainda afirmam, que não há diálogo efetivo com a diretoria da instituição.
“Diálogo não existe. A gente estava tentando um diálogo com o ministro da Justiça, teve uma comissão que foi recebida pelo secretário executivo-adjunto [do ministério, Washington Leonardo Bonini], mas não teve nenhum progresso. As condições e diálogos estão muitos difíceis”, disse também à REVISTA CENARIUM o presidente da Associação dos Indigenistas Associados (INA), Fernando Vianna.

No mesmo dia da paralisação nacional, o assessor jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) — organização indígena que denunciou os desaparecimentos de Bruno e Dom Phillips, — Eliesio Marubo, afirmou que, até aquele momento, 18 dias após o assassinato, nenhum órgão do Executivo havia procurado a Univaja para tratar sobre os problemas da Amazônia. A situação permanece até os dias atuais.
“Continuamos mobilizados, a questão da greve continuamos fazendo paralisação pontual. É um estado permanente de greve, de mobilização. Isso vai continuar, porque a situação é muito grave, chegou a um ponto limite e a gente não vê nenhum progresso, reiterou Vianna.
A reportagem questionou a Funai se há pretensão de atender as reivindicações dos servidores, quais ações a fundação planeja realizar para proteger os povos indígenas do Vale do Javari e se há planejamento para reativar mais bases da Funai na região, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Indenização milionária
A omissão da Funai fez com que a Defensoria Pública da União (DPU), junto ao Ministério Público Federal (MPF), protocolasse no domingo, 3, um pedido de indenização por danos morais coletivos contra a União no valor de R$ 50 milhões a serem revertidos em favor dos povos indígenas isolados e de recente contato. (Confira o documento ao final da matéria)
No pedido, feito em uma ação que já corre desde 2018 na Justiça Federal, a DPU e o MPF acionam a Fundação Nacional do Índio e a União e ainda apresentam um plano para que as bases das Frentes de Proteção Etnoambiental no Amazonas passem a gozar de recursos humanos e materiais mínimos para o efetivo cumprimento de suas finalidades. A Univaja participa da ação como amicus curiae.
Na ação, Defensoria e Ministério Público Federal associam o pagamento da indenização à apresentação de um projeto e um cronograma por parte da Funai para não esquecer outros setores da instituição ou mesmo aqueles voltados à preservação dos índios de recente contato.