Estigma e preconceito: Especialistas rebatem uso do termo ‘variante de Manaus’

 Estigma e preconceito: Especialistas rebatem uso do termo ‘variante de Manaus’

Pesquisadores afirma que rotular variante é um duplo equívoco. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium)

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Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Pesquisadores e especialistas afirmaram nesta sexta-feira, 9, que o termo “variante de Manaus”, utilizado popularmente para denominar a linhagem P.1 da Covid-19, gera um estigma aos povos do Amazonas e é preconceituosa. Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, rotular a linhagem como “variante de Manaus” é um duplo equívoco.

Na verdade, segundo Orellana, a P.1 é uma variante que começa a circular com mais força na cidade de Manaus, o que não significa que ela nasceu na capital do Amazonas. “Ela pode ter nascido em qualquer outra região em que também tenha circulado ancestrais dessa variante. Não há como afirmar que é uma variante de Manaus ou não”, salientou.

Jesem Orellana afirmou que rotular a linhagem como “variante de Manaus” é um duplo equívoco (Reprodução/Rede Amazônica)

Jesem Orellana salientou ainda que rotular a linhagem P.1 como sendo de “Manaus”, do “Amazonas” ou até “Amazônica”, não traz benefício científico. “Acaba criando estigma, preconceito contra algo que, na verdade, não tem a ver muito com essas denominações que são feitas pela imprensa leiga. De certa forma, é até preconceituosa”, destacou.

Nesta sexta, uma pesquisa baseada em amostras de vírus colhidas em pacientes do Hospital São Paulo, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostra que, em um período de 12 semanas, a variante P.1 da Covid-19, que emergiu em Manaus, foi responsável por 91% dos casos da pandemia registrados em São Paulo. O estudo, no entanto, foi divulgado pela imprensa nacional como a “variante de Manaus”, termo criticado por pesquisadores entrevistados pela REVISTA CENARIUM.

Para o epidemiologista Jesem Orellana, é preciso ficar claro definitivamente para a população de Manaus, do Brasil e do mundo, que os problemas não são as novas variantes da Covid-19, mas a falta de gestão da pandemia por parte das autoridades sanitárias e a baixa adesão da população quanto ao uso de máscara, higienização das mãos.

“E a questão das aglomerações que é algo bastante complicado. Você deixa o vírus circular e, independentemente da variante que estiver circulando, você vai ter problemas com epidemias. Casos vão aumentar, as internações vão aumentar e claro que em situações como a da variante P.1, que tem uma transmissibilidade maior, a chance de colapso da rede médica e assistencial é maior”, enfatizou Jesem Orellana.

Hábito

O virologista e pesquisador Felipe Naveca, da Fiocruz Amazônia, que concluiu o primeiro sequenciamento do genoma do Sars-CoV-2 do Norte do País, lamentou o hábito de usar o local de isolamento inicial da amostra como nome da linhagem. “Mas isso também acontece quando falam da “variante britânica” B.1.1.7 e da “variante da África do Sul” B.1.351. Isso certamente aumenta o estigma, da mesma forma que o novo coronavírus já foi chamado de vírus chinês”, lembrou.

Felipe Naveca lamentou o hábito de usar o local de isolamento inicial da amostra como nome da linhagem (Reprodução/Rede Amazônica)

Para Naveca, certamente o aumento de casos não tem como base somente a P.1, mas o comportamento da população em todo o Brasil que, para ele, nunca adotou por completo as medidas de distanciamento. “Ela [a Covid-19] é perigosa por conta de um maior poder de transmissão e possivelmente maior relação com casos graves”, declarou.

“Mesmo vacinado, [a população] precisa ter cuidados para não se infectar e transmitir para os outros. As vacinas, até o momento, protegem 100% de formas graves, mas não de ser infectado”, reiterou.

De acordo com o pesquisador, a variante P.1 se originou da B.1.1.28, cujas primeiras informações sobre ela foram divulgadas em 13 de março deste ano pela Fundação Oswald Cruz Amazônia. Em nota técnica, a instituição comunicou que a nova linhagem se tratava da mesma variante que chegou ao Japão após viajantes passarem pelo Amazonas. Veja a nota técnica aqui.

Perigo

Nessa quinta-feira, 8, o Brasil teve o segundo pior de mortes pela Covid-19 em 24 horas, desde o início da pandemia. De acordo com o consórcio de veículos de imprensa formado pelo ‘G1’, ‘O Globo’, ‘Extra’, ‘Estadão’, ‘Folha’ e UOL, a partir de dados das secretarias estaduais de Saúde, o País registrou 4.190 pelo novo coronavírus. Na terça-feira, 6, o Brasil teve 4.211 mortes.

No total, o País contabilizou 13.286.324 casos e 345.287 óbitos pela Covid-19. Para o epidemiologista Jesem Orellana, não restam dúvidas quanto ao perigo da Covid-19, em especial, a variante P.1. “Ela é, no mínimo, muito mais infectocontagiosa que outras variantes que circulavam previamente e é por isso que ela causa esse tipo de problema agora em 2021”, pontuou o pesquisador, se referindo ao colapso da rede de saúde no País.

Para Orellana, o lockdown é uma das estratégias para conter a Covid-19. No entanto, ele classificou a medida como limítrofe, ou seja, usada para situações que estão saindo do controle. “Nesse momento, nós não estamos nessa situação em Manaus e no Amazonas. Pensando em escala nacional, eu não tenho dúvidas que nós deveríamos ter implementado o lockdown há, pelo menos, quatro ou cinco semanas atrás para evitar essa tragédia que estamos assistindo diariamente com recorde e mais recorde de mortos”, finalizou.

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