EDITORIAL CENARIUM – Sikêra Júnior, um demérito ao Amazonas

 EDITORIAL CENARIUM – Sikêra Júnior, um demérito ao Amazonas

Sikêra Jr.: não lhe falta estudos, falta-lhe humanidade (Divulgação/Internet)

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Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

MANAUS – Que o apresentador de televisão do Amazonas, José Siqueira Barros Júnior, o Sikêra Jr., é homofóbico, misógino, racista, reprodutor de fake news e tem orgulho do ódio que dissemina, é de conhecimento público, mas nada se fala sobre os prejuízos que ele gera ao Estado.

A “Isto É” dedicou, na semana passada, espaço a Sikêra, chamando-o de “Hitler da Amazônia” pelo colunista Ricardo Kertzman, após novas polêmicas envolvendo o apresentador. “Alô, STF (Supremo Tribunal Federal) já mandou prender esse Hitler da Amazônia?”, disse no artigo. O status regional dado ao apresentador preocupa pelo teor nocivo de seu discurso e alcance.

Sikêra Jr., que tem mais de 6 milhões de seguidores no Instagram e centenas de perfis atrelados nas redes sociais, é um influenciador, principalmente, de jovens em idade escolar.

A escola não foi prioridade para Sikêra, mas ele não fala isso com lamento, relata com vaidade. “Eu fiz a sétima série sete vezes, mas passei. A diretora falou ‘vou te passar e nunca mais quero te ver na minha escola’”, disse em entrevista, ao assumir que não terminou o Ensino Fundamental para a apresentadora Luciana Gimenez, do programa “Super Pop”.

O apresentador do programa “Alerta Amazonas/Alerta Nacional” é, sim, o pop star de muitos jovens, mas, principalmente, das empresas de publicidade, que o patrocinam, mesmo ele tecendo comentários contra mulheres, gays e negros. Não lhe falta estudos; falta-lhe princípios, e entre eles o mais básico, humanidade.

Enquanto o Brasil chorava a morte do humorista Paulo Gustavo, Sikêra fazia ironias (Reprodução/Instagram)

‘Raça desgraçada’

Ele foi alvo, na semana passada, de uma ação do Ministério Público Federal (MPF), de indenização milionária e, por fim, perdeu 29 patrocínios – ainda há muitos outros que o mantém – após ofender homossexuais com palavras de baixo calão.

“A gente está calado engolindo essa raça desgraçada. Nojo de vocês. Vocês não reproduzem, vocês são nojentos. Não é normal não. Se você quer dar esse r***, dê, mas não leve as crianças não”, disse o apresentador no dia 25 de junho.

Sikêra se referia a uma propaganda da rede de fast food Burger King, na qual a empresa mostrou – com apoio de psicólogos e outros especialistas – como conversar com as crianças sobre o respeito à orientação sexual das pessoas.

‘Mulher sebosa’

Antes do caso de homofobia com a Burger King, Sikêra já era objeto de denúncia federal. O MPF ajuizou, no dia 6 de junho, uma ação civil pública pedindo que o apresentador seja condenado por “dano moral coletivo decorrente de discurso de ódio às mulheres“.

A ação se refere a um episódio ocorrido em 5 de junho 2018, quando o, então, âncora do programa “Cidade em Ação”, da TV Arapuan, afiliada da RedeTV!, teria usado expressões racistas e misóginas para se referir a uma mulher negra, presa sob custódia na Paraíba.

O apresentador disse que a vítima tem “venta de jumenta“. Ele também disse que “mulher que não pinta a unha é sebosa”. Para o MPF, o apresentador feriu “a dignidade tanto da mulher a quem ofendia, e que teve seu rosto exibido em um telão, quanto à coletividade das pessoas do sexo feminino”.

‘Covid-19 é um H1N1’

O maior apresentador do Amazonas no Brasil, também, é conhecido por disseminar fake news. No dia 8 de janeiro, ele disse em seu perfil do Twitter que o novo coronavírus é semelhante ao H1N1.

“A Covid-19 é um H1N1 com uma baita assessoria de marketing”, declarou o apresentador, no dia 8 de janeiro, que chegou a ter a doença em 2020 e foi afastado da função.

Ligado politicamente e economicamente ao presidente Jair Bolsonaro, o apresentador segue o mesmo discurso de minimização da Covid-19 que matou mais de meio milhão de brasileiros em menos de dois anos. Sikêra recebe verba pública federal de R$ 120 mil.

Nos programas de Sikêra – em meio a frases de efeito de defesa deturpada da família e de um conceito de “comunismo” que ele mesmo criou – o apresentador é ovacionado e elogiado por seguidores que, em sua maioria, aprova as declarações e não o confrontam.

Indústria da alienação  

Professor de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) João Francisco Cabral e escritor do site Brasil Escola escreveu sobre o poder da “Industria Cultural”, que se apresenta como poder de dominação e difusão de uma cultura de subserviência.

A Indústria Cultural acaba por desmobilizar ou impedir qualquer mobilização crítica que, de alguma forma, fora o papel principal da arte. Ela transforma os indivíduos em seu objeto e não permite a formação de uma autonomia consciente”, explica João Francisco.

O professor diz ainda que esse processo é extremamente nocivo por atender aos ideais de lucro, mercado, aceitabilidade, esses produtos serão consumidos como os demais e perdem seu potencial de crítica social e de crítica ao próprio sistema, criando uma alienação cada vez maior em seus consumidores.

Amazônia de Márcio Souza

Sikêra não é natural do Amazonas e veio para Manaus como grande aposta das agências de publicidade pelas “polêmicas” que faz. Diferentemente do que disse o colunista da Isto É, o apresentador não é “da Amazônia”, ele está “na Amazônia” e não representa, em sua totalidade, o povo da região, nativo ou não, e muito menos sua cultura.

Em uma entrevista, o romancista e historiador Márcio Souza, conhecido nacionalmente e internacionalmente por suas obras, fez comentários sobre o vanguardismo da cultura amazônica, citando seu livro História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI.

“Temos de um lado uma cultura brasileira em plena expansão e, do outro, culturas originais, pré-colombianas, vivas até hoje, culturas essas que, vale lembrar, estiveram muito tempo na frente das outras, em particular do ponto de vista da técnica, antes de serem submersas pelo processo de integração”, observou o autor das obras “Mad Maria” e “Galvez, o Imperador do Acre”.

Com toda a complexidade ancestral e contemporânea que a Amazônia possui é de se lamentar que um apresentador do tipo de Sikêra Jr. seja, atualmente, um “representante” cultural da região. Por razões distintas, Sikêra não merece o Amazonas e o Amazonas não merece Sikêra.

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