Conheça a padaria no interior do Amazonas onde Bolsonaro gastou R$ 23 mil em um dia

 Conheça a padaria no interior do Amazonas onde Bolsonaro gastou R$ 23 mil em um dia

Jair Bolsonaro e a padaria bolsonarista: R$ 23 mil pagos no cartão corporativo em um dia (Reprodução)

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Paula Litaiff e Ívina Garcia – Da Revista Cenarium

SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA (AM) – Na fachada da panificadora e confeitaria Elite, no município de São Gabriel da Cachoeira (a 860 quilômetro de Manaus), há uma bandeira do Brasil, não como memória da última Copa do Mundo, mas para identificar que a empresa é correligionária do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na cidade considerada mais petista do País. Em São Gabriel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve 80,64% dos votos no segundo turno das eleições gerais contra 19,36% de Bolsonaro.

Panificadora e confeitaria Elite fica em São Gabriel da Cachoeira (AM) (Paula Litaiff/Revista Cenarium)

A reportagem da REVISTA CENARIUM esteve na padaria Elite, local escolhido pelo ex-presidente para tomar café da manhã em um dos três dias em que ficou no município, no ano de 2021 (dias 26, 27 e 28 de maio), onde inaugurou uma ponte de madeira no km 91, da BR-307, de São Gabriel da Cachoeira, que interliga a área urbana da cidade à Terra Indígena Yanomami em Balaio. No dia 28 de maio, Bolsonaro passou a somatória de R$ 23,2 mil no cartão corporativo, somente na panificadora. O total gasto na viagem de três dias foi de R$ 710.835,28.

Ponte inaugurada, em 2021, por Jair Bolsonaro quando esteve em São Gabriel da Cachoeira e gastou mais de R$ 23 mil em café da manhã (Imagem: Rede Amazônica)

Jair Bolsonaro cumprimenta indígenas na passagem por São Gabriel da Cachoeira, em 2021, sem o uso de máscaras, obrigatório à época, contra a Covid-19 (Imagem: Rede Amazônica)

Os preços dos itens da panificadora Elite variam de R$ 3 (água) a R$ 59,67 (buffet de sanduíches), cujos produtos, em sua maioria, são expostos no estabelecimento que possui uma área de, aproximadamente, 120 metros quadrados, no térreo do hotel de mesmo nome. A panificadora vende salgados, doces, sanduíches, sucos, frutas e café.

Cardápio completo da panificadora Elite, onde Bolsonaro gastou mais de R$ 23 mil em um único dia (Paula Litaiff/Revista Cenarium)

Com Bolsonaro, estava uma comitiva de dez assessores que ficou, aproximadamente, duas horas no estabelecimento. Os servidores do governo, assim como o presidente, pediram sanduíches e itens típicos do Amazonas, entre eles, o “x-caboquinho”, composto por pão francês, queijo coalho, banana pacovã frita e tucumã [fruta nativa da região], que custa R$ 10,50. Eles preferiram como bebidas sucos regionais.

Os gastos de Bolsonaro na padaria Elite, em maio de 2021, foram de R$ 17.390 e R$ 5.813, que somam R$ 23.203,00 (Reprodução)

Atuais funcionários da Elite foram orientados pelo estabelecimento a não falarem sobre a passagem do ex-presidente pela padaria, principalmente, após a divulgação dos gastos do cartão corporativo.

De acordo com dados do cartão, quase R$ 270 mil foram gastos nas viagens de Bolsonaro ao Amazonas, no período de 2019  a 2021, e pelo menos R$ 27 milhões em todo o território nacional. Pelo levantamento, não foram registrados despesas no Amazonas em 2022.

Conta não bate

Ex-funcionários que estavam na padaria Elite na passagem de Bolsonaro por São Gabriel da Cachoeira, em maio de 2021, aceitaram falar com a reportagem e informaram que os pedidos anotados, na mesa, foram de sanduíches e itens regionais. Eles ficaram surpresos quando foram informados que a conta chegou a R$ 23,2 mil naquele dia.

Eu não lembro se tudo que eles comeram dava todo esse dinheiro. Acho muito difícil, porque foram sanduíches, salgados e sucos. Não dava tudo isso não, mas eu não quero comentar muito porque tenho medo de me envolver em confusão“, disse um ex-funcionário que não quis ter o nome publicado.

Ele falou que foi advertido pela assessoria do presidente, à época, a evitar pedidos de fotos e conversa com Bolsonaro. “A gente não podia chegar muito perto deles (presidente e comitiva da Presidência), porque era uma questão de segurança, falaram para gente. Eles sempre conversavam muito baixo entre eles e ficavam cochichando no pé do ouvido para a gente não ouvir”, disse o ex-funcionário.

Outra funcionária disse que um dos assessores pediu que a padaria ficasse interditada no momento em que o ex-presidente estivesse na padaria — ato oficial de proteção da segurança da Presidência — e tudo que o presidente ia comer era antes analisado por uma assessora da comitiva.

Ela olhava o produto e perguntava de quanto tempo era e como era feito, mas não vi provar antes dela, só parecia muito preocupada”, relatou uma ex-funcionária, que também preferiu não identificar o nome na matéria.

Empresa debocha

Após a divulgação que a panificadora Elite está entre as empresas na lista de cartão corporativo de Jair Bolsonaro com gastos que chamam atenção, um dos representantes do estabelecimento, Paulo André, debochou da notícia, em seu Twitter, com o print da informação.

Foi um prazer ter recebido um presidente da República em nossa padaria. Família Elite”, afirmou Paulo André, compartilhando o print da notícia intitulada: “Bolsonaro também gastou R$ 23 mil em uma padaria de São Gabriel da Cachoeira (AM)”

A panificadora Elite está inscrita no CNPJ 02.660.659/0001-08, como empresa individual, em nome de D. D. Silva Alves, com o capital social de R$ 120 mil, fundada há mais de 24 anos.

Cidade indígena

Pelo menos 76% da população de São Gabriel da Cachoeira se autodeclara indígena, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no município, que possui 47 mil habitantes, sendo considerada a cidade mais indígena do Brasil, com 23 etnias.

Localizado na divisa com a Colômbia e Venezuela, o município, onde está localizado a padaria em que Bolsonaro gastou mais de R$ 23 mil em café da manhã, possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 604, considerado médio.

O Produto Interno Bruto (PIB) per capita de São Gabriel da Cachoeira é de R$ 8,1 mil, valor inferior à média do Estado (R$ 27,6 mil) e da região metropolitana de Manaus (R$ 34,2 mil), de acordo com dados do Instituto Caravelas Estatísticas.

Atualmente, a cidade passa por problemas na área econômica, cuja população enfrenta desafios com falta de opções para o empreendedorismo e, consequentemente, perspectivas. O município possui o maior índice de mortalidade brasileira entre os jovens indígenas por suicídio.

Discurso anti-indígena

A resistência dos moradores de São Gabriel da Cachoeira a Jair Bolsonaro, nas eleições, vem de discursos anti-indígena que o ex-presidente fez durante sua trajetória como deputado federal (quase 30 anos) e no cargo de presidente da República (2019-2022).

Entre as manifestações mais lamentáveis de Jair Bolsonaro sobre os indígenas está a declaração, em suma, de que era “uma pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios”. 

O discurso está transcrito no Diário da Câmara dos Deputados, na edição de 16 de abril de 1998, e repercutiu internacionalmente. Nunca o presidente pediu desculpas pela frase e prometeu, na campanha eleitoral de 2018, à Presidência da República, não demarcar terras indígenas, o que foi cumprido no seu mandato.

Registro do discurso pró-extermínio de indígenas brasileiros de Jair Bolsonaro no Congresso (Site da Câmara Federal)

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