Lideranças indígenas questionam efetividade do patrulhamento da PF em Terra Yanomami

Yanomami denunciam e questionam a pouca atuação da Polícia Federal na região, mesmo após o anúncio do envio de tropas (Reprodução/Instituto Socioambiental/ISA)
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Após um mês de maio marcado por ataques violentos contra lideranças e aldeias indígenas, motivados pelo interesse de garimpeiros nos territórios, matas e riquezas minerais protegidas pelos povos das florestas, junho também dá sinais de um novo período sombrio para as populações nativas do País, principalmente para os Yanomami. Eles denunciam e questionam, por meio de entrevistas e documentos, a pouca atuação da Polícia Federal na região, mesmo após o anúncio do envio de tropas.
Na última segunda-feira, 31, garimpeiros fizeram servidores de reféns em uma base do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Roraima. O lugar dá acesso à Terra Indígena Yanomami (TIY), a maior reserva indígena do Brasil, com quase 10 milhões de hectares e cerca de 27 mil habitantes. Eles vivem numa guerra contra mais de 20 mil invasores infiltrados na região – um exército de inimigos quase do tamanho da população originária da TIY.

Atuação da Polícia Federal
A Polícia Federal afirmou, na terça-feira, 1, ter aberto investigação sobre o recente ataque à base do ICMBio. Na oportunidade, os criminosos levaram oito motores de embarcações, combustível e cinco quadrículos, fugindo em direção à terra dos Yanomami. A base fica em uma Estação Ecológica (Esec), entre as cidades de Amajari e Alto Alegre, em Roraima, às margens do rio Uraricoera, o mesmo que corta a aldeia Palimiú, onde houve confronto armado contra os indígenas em 10 de maio, deixando 3 mortos e 5 feridos.
Em resposta ao ataque do dia 31, a PF informou que enviaria na quarta-feira, 2, uma equipe policial junto de servidores do ICMBio e policiais militares da Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa). Disse também que continua trabalhando para obstruir a continuidade do garimpo ilegal no território, mas, à Revista Cenarium, nesta sexta, 4, a Hutukara Associação Yanomami disse não ter conhecimento sobre nenhuma tropa em Palimiú, destino dos garimpeiros assim que deixaram a base do instituto, levantando questionamentos entre os próprios indígenas sobre o efeito da atuação da PF, visto que os ataques continuam.

Posicionamento
No dia do ataque à base do Instituto Chico Mendes, o líder indígena e presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna, Junior Hekurari, denunciou à Cenarium que a PF teria feito apenas uma única intervenção 11 dias após o ataque a tiros em Palimiú. Já a resposta da Polícia Federal veio apenas depois da publicação da reportagem, por meio de nota, alegando que compareceu no mínimo quatro vezes.
“A Polícia Federal esteve por pelo menos 4 vezes em Palimiú depois que começaram os fatos recentes. (…) No tocante aos conflitos ocorridos em Palimiú, a Polícia Federal tem desenvolvido seu trabalho, dada a dinâmica dos acontecimentos, questões logística e meteorológicas, mantendo um rodízio, dentro do possível, com vista a ‘desintrusão’ de garimpeiros da TIY, combate a crimes ambientais de uma forma geral e investigação dos fatos recentes naquela comunidade. As investigações seguem em andamento com uma previsão de várias incursões na TIY”, diz um trecho do texto.
Nesta sexta-feira, 4, Junior Hekurari contou à Cenarium que a PF e o Exército passaram apenas uma noite na região dos ataques e retornaram a Boa Vista. Segundo ele, os garimpeiros aproveitam o horário noturno para armar novas emboscadas. Ele reafirmou que as comunidades permanecem sem segurança: “A população Yanomami continua ainda sofrendo com os ataques de garimpeiros nas comunidades, como foi nessa última semana com o ataque à base do ICMBio. Continuam ameaçando e intimidando a comunidade Palimiú. Até agora, estamos sem segurança”, disse.
Descaso do governo federal
Além do povo Yanomami, a TIY é habitada por outros seis grupos indígenas em estudo e por outro grupo completamente isolado.
Para proteger povos ameaçados, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a PF informe as ações da Operação Mundurukânia, que acontece no Pará, além de impor à União a adoção de todas as medidas necessárias para garantir a vida, a saúde e a segurança dos Yanomami e dos Munduruku em seus territórios.
Por meio de nota, a Organização das Nações Unidas (ONU) também repudiou os retrocessos, pedindo que as autoridades brasileiras investiguem e punam os responsáveis pelos ataques violentos em Roraima e no Pará, coisa que a Hutukara também aguarda: “Mesmo com as recentes decisões do Poder Judiciário, exigindo a presença de forças de segurança de maneira permanente na região, o governo brasileiro ainda não promoveu uma resposta satisfatória ao conflito, enviando forças de segurança que ficaram apenas por algumas horas no local do conflito. As comunidades indígenas se mantém sob a ameaça de novas ofensivas”, diz o documento assinado pela maior entidade na representação da etnia.
A nota da PF enviada à Revista Cenarium diz que o policiamento permanente não é de sua obrigação, informando também que é dever de outros órgãos fiscalizar, em face da decisão do Supremo destinada à República: “A decisão do STF é em face da União, logo este ente deverá fazer cumprir a decisão por seus vários meios possíveis e disponíveis, tais como Exército brasileiro, Funai, Força Nacional, PRF, Ibama, dentre outros órgãos. A decisão judicial não é em face da Polícia Federal. Ademais, assente-se que a atribuição da Polícia Federal é de Polícia Judiciária da União, encarregada da investigação de infrações penais de competência da Justiça Federal e, por corolário, os crimes cometidos contra comunidades indígenas e terras de propriedade da União. Portanto, prima facie, a Polícia Federal não tem atribuição de policiamento de segurança ostensiva permanente”.
A Hutukara Associação Yanomami diz que “acompanha com grande perplexidade e indignação a omissão do governo brasileiro diante da escalada da violência na região”. “Tememos pela vida das famílias do Palimiú e pela vida daqueles que trabalham pela defesa do meio ambiente e do patrimônio da sociedade brasileira. Uma resposta à altura do problema por parte das autoridades competentes é cada vez mais necessária e urgente”, finaliza o documento.