EDITORIAL – Quando a Justiça adia, a injustiça governa

A ministra Cármen Lúcia e governador de Roraima, Antonio Denarium (Reprodução/STF | Reprodução/Redes Sociais | Reprodução/Congresso Nacional | Composição: Lucas Oliveira/Cenarium)
No fim do século XIX, Rui Barbosa alertava: “Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” A advertência, lançada em outro tempo, cabe como uma luva à realidade de Roraima sob o governo de Antonio Denarium. Estamos diante de um governador que acumula quatro cassações, autor de um recurso, cujo julgamento segue suspenso há dez meses no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à espera de decisão da presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.
A lentidão em julgar um processo com tantas implicações eleitorais e sociais coloca em risco o que o próprio Rui chamava de “garantia fundamental da ordem democrática”. O caso Denarium não é só um episódio de denúncias. Ele se tornou um retrato de um Estado à deriva, sob o peso de investigações, escândalos e violações de direitos, principalmente, dos povos indígenas e de todos os usuários do SUS em Roraima. Um governador que já foi denunciado por usar programas sociais e recursos públicos [como os R$ 70 milhões distribuídos a aliados políticos em ano eleitoral] não deveria continuar exercendo poder, enquanto recorre indefinidamente à justiça.
Ao manter o processo engavetado, o TSE alimenta a descrença. O próprio Rui Barbosa dizia que a “firmeza moral” do magistrado era mais importante do que qualquer tecnicismo jurídico. Nesse sentido, a hesitação do tribunal não apenas fragiliza sua autoridade, mas expõe a democracia roraimense à zombaria de quem a manipula com métodos populistas e práticas questionáveis.
Há um Brasil real que Rui já reconhecia — aquele onde a justiça não alcança os mais frágeis. Em Roraima, vemos isso em cada sala de aula improvisada nas comunidades indígenas, onde crianças são privadas do mínimo: teto, livros, professores. Vemos isso no caos da saúde pública, nos contratos suspeitos, nas operações da Polícia Federal, nas falas do governador que comparam indígenas a “bichos”. Como esperar que a justiça chegue para quem mais precisa se ela sequer julga os que estão no topo?
Quando Rui Barbosa escreveu que “a pior ditadura é a do Poder Judiciário”, não o fazia por desprezo à magistratura, mas como um grito contra o silêncio que, vindo da justiça, cala mais do que qualquer censura. Está nas mãos da ministra Cármen Lúcia decidir se o silêncio do TSE será cúmplice da omissão ou se terá a coragem de pôr fim à espera que já virou escárnio.
Julgar não é mais uma opção, é um dever moral com a Constituição, com o eleitorado e com a memória do jurista que ensinou ao Brasil que justiça não é sobre esperar, mas sim levantar-se com coragem diante da injustiça que silencia o povo de Roraima.
O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

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